Terroir Extremo: vinhos vulcânicos
Territórios inóspitos com vinhedos seculares que transformam a adversidade em vinhos de frescor e elegância.
Cada região vinícola possui um terroir distinto, características únicas que influenciam diretamente o sabor e a complexidade dos vinhos produzidos naquela região. Entre os terroirs, exitem aqueles que chamamos de extremos, sejam eles pelas condições climáticas do local, como por exemplo: na Argentina, nos vinhedos de Salta, os mais altos do mundo, que ultrapassam os 3.000 metros de altitude. Em Cinque Terre na Itália, onde a inclinação do terreno impõe dificuldades a própria viticultura. Ou ainda podemos pensar em terrenos praticamente inóspitos aos pés de vulcões e são esses terroirs de origem vulcânica que falarei hoje.
O que define um Terroir Vulcânico?
Em linhas gerais, os solos vulcânicos são formados pela decomposição de rochas e cinzas expelidas por erupções ao longo de milênios. Esses terrenos são ricos em silício e minerais, como ferro, magnésio e potássio, mas pobres em material orgânico, o que faz com que as videiras precisem buscar água e nutrientes em camadas mais profundas. Como resultado, esse estresse hídrico resulta em uvas mais concentradas e vinhos de maior intensidade aromática. Portanto, a tendência é que se obtenham vinhos com uma acidez vibrante (média - alta) e uma profundidade aromática muito interessante, a destacar a própria mineralidade.
No cálice a interpretar esta mineralidade da seguinte maneira: aromas e sabores de pedra molhada, notas terrosas (vulcânicas) ou até mesmo um toque defumado.
Vulcão Etna, Sicília (Itália)
Localizado na ilha da Sicília, no sul da Itália é o vulcão ativo mais antigo da Europa, há registros de mais de 500 mil anos de atividade. Sua altitude é de aproximadamente 3.357 metros, porém a viticultura está entre 400 e 1000 metros acima do nível do mar (m.s.l.).
Dentro da Denominazione de Origine Controllata DOC Etna existem 133 Contrade, a Contrada nesta denominação equivale ao vinhedo Cru da Borgogna, ou seja, são vinhedos que reúnem um conjunto de características que influenciam na qualidade final do vinho. E dentre as uvas permitidas pela DOC Etna destaco 3 autóctones: Nerello Mascalese, Nerello Cappuccio e Carricante (as duas primeiras uvas tintas, e a outra branca).
Cantina I Custodi delle Vigne dell’Etna
Segundo o próprio produtor:
“Custodiar (Custodi) significa preservar o território, manter as tradições e respeitar as pessoas. Desses valores e do amor por uma terra maravilhosa como a do Etna, onde […] nascem nossos vinhos, fruto da generosidade do caloroso solo vulcânico e de sua mineralidade, do frio da “Muntagna” e do sol da Sicília”.
Vinho: Aetneus (2019)
Contrada Muganazzi, 700m.s.l., exposição norte, com videiras em pré-filoxera de até 100 anos de idade.
Uvas: 80% Nerello Mascalese e 20% Nerello Cappuccio.
Teor alcoólico: 14%
Envelhecimento: 18 meses em tonneaux usado + 12 meses em garrafa antes da comercialização.
Notas de degustação: Frutas vermelhas maduras e uma mineralidade marcante.
Curiosidade: Os vinhedos da vinícola são cultivados em terraços de pedra, com vinhas plantadas em pé-franco (isto é pré-filoxera), sendo algumas delas 250 anos de idade.
Curiosidade 2.0: Os vinhos do Etna são frequentemente comparados aos vinhos da Borgonha devido à sua finesse e capacidade de envelhecimento, porém eles têm o caráter vulcânico marcante que os torna únicos. São vinhos que têm se valorizado muito no mercado.
Ilha de Santorini (Grécia)
Localizada no Mar Egeu, a ilha de Santorini é uma das regiões vinícolas mais emblemáticas da Grécia. O panorama da ilha foi moldado por erupções vulcânicas e o solo é rico em cinzas, pedra-pomes e lava solidificada. A ilha tem uma altitude de 567 metros, mas os vinhedos são cultivados entre 50 e 400 m.s.l.
Dentro da Santorini PDO (Protected Designation of Origin), os vinhedos são plantados em um sistema tradicional chamado kouloura, onde as videiras são entrelaçadas em forma de ninho para proteger as uvas dos ventos fortes e do clima seco.
A variedade mais emblemática da ilha é a Assyrtiko plantada em 90% do territorio, uma uva branca autóctone que dá origem a vinhos de alta acidez, mineralidade marcante e grande potencial de envelhecimento. Outras variedades permitidas incluem Athiri e Aidani, também brancas, que complementam os vinhos com notas florais e suavidade.
Vinícola Domaine Sigalas
Produtor de forte expressão territorial, seus 40 hectares de vinhedos estão localizados na parte norte da ilha e rendem aproximadamente 200 mil garrafas por ano.
Vinho: Sigalas Santorini (2022)
Uva: 100% Assyrtiko, de videiras com idade superior a 60 anos.
Teor alcoólico: 13,9%
Vinificação em tanques de aço inox, em baixa temperatura, com o vinho passando 4 meses em contato com as leveduras.
Notas de degustação: Frutas cítricas, salinidade marcante, acidez vibrante e final longo.
Curiosidade: Além do formato de cultivo "kouloura" das videiras, a Domaine Sigalas se destaca por uma viticultura minimalista, ou seja, de pouca interverção no processo e máxima expressão territorial de uma das regiões vitivinícolas mais antigas do mundo. São mais de 3 mil anos de registros de viticultura, que foram interrompidos em 1630 a.C. por uma catastrofe vulcânica que levou quase 3 séculos para que a ilha fosse repovoada.
Lanzarote, Ilhas Canárias (Espanha)
Lanzarote é uma dentre as ilhas que compõem o arquipelogo das Ilhas Canárias. O ponto mais alto da ilha é “Peñas del Chache”, com 670 metros. O solo vulcânico que caracteriza Lanzarote é resultado das erupções ocorridas no século XVIII, que cobriram vastas áreas com cinzas e lapilli. Essas camadas de cinza ajudam a reter a umidade do ar, permitindo que as videiras sobrevivam ao clima árido da ilha que tem volume pluviométrico anual inferior a 150mm/ano.
A variedade autóctone de Lanzarote é a Malvásia Volcánica que se destaca pelo frescor, mineralidade e notas salinas, que refletem um terroir vulcânico com influência oceânica.
Vinícola El Grifo Wines
Em 2025 a El Grifo completa 250 anos e história e tradição, está entre as 10 vinícolas mais antigas da Espanha. Sem dúvida é uma das vinícolas que melhor representa a territorialidade vulcânica espanhola. Por 50€ é possível fazer um wine tour guiado de 2 horas de duração que inclui: passeio pelo “vinhedo impossível”, visita pelo antigo lagar de 1775, além de claro a degustação de 6 vinhos.
Vinho: Malvásia Vulcánica (2023)
Uva: 100% Malvasia Vulcânica
Teor alcoólico: 13%
Processo de vinificação: As uvas são colhidas manualmente e resfriadas por 24 horas antes do início da fermentação, que se dá pela ação de leveduras nativas da região. Após o processo de vinificação em barris de aço inox
Notas de degustação: Frutas de frutas tropicais com notas florais brancas que se somam a salinidade e ótima acides.
Curiosidade: Lanzarote, uma das Ilhas Canárias, possui um dos cenários vitivinícolas mais singulares do mundo, onde as videiras crescem em crateras escavadas na terra preta vulcânica, protegidas por pequenos muros de pedra chamados "zocos" para auxiliar na retenção da umidade. Dada sua localização geográfica e características climáticas a Denominación de Origen Lanzarote possui uma das colheitas mais precoces da Europa, em julho, enquanto algumas regiões vitivinícolas europeias chegam a ter suas colheitas no outono.
Não é à toa que os vinhos de terroares extremos, como os vulcânicos, ganham cada vez mais destaque no mundo do vinho. Eles preservam as características únicas de suas regiões de origem, enquanto a abordagem minimalista dos produtores permite que as uvas autóctones tenham sua expressão máxima. O resultado são vinhos de grande elegância, estrutura e longevidade, que, além de tudo, se destacam por sua autenticidade e caráter exótico.
Agora quero saber, você já teve a experiência de degustar um vinho vulcânico? Se sim, de qual região e qual foi sua impressão? E se não, me diga qual desses 3 você gostaria de experimentar primeiro?
Compartilhe comigo aqui nos comentários e compartilhe este post com quem gosta de vinhos e boas histórias!
Até a próxima!!
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