Degustação de Bordeaux
Na feira de vinhos ProWein 2024 em Dusseldorf, Alemanha, tive a oportunidade de participar da degustação da União dos Grand Crus de Bordeaux que apresentou ao público os vinhos da safra de 2021
Durante a minha experiência na feira de vinhos ProWein 2024 em Dusseldorf, Alemanha, tive a oportunidade de me inscrever na degustação da União dos Grand Crus de Bordeaux que apresentou ao público os vinhos da safra 2021. Nessa degustação estavam presentes 80 Châteaux que fazem parte da classificação. Mas antes de descrever as minhas impressões sobre a degustação, gostaria de explicar um pouco o que é um vinho Grand Cru de Bordeaux e a história por trás de uma das denominações mais importantes do mundo.
Os vinhos Grand Cru de Bordeaux estão localizados na mundialmente conhecida região vinícola do sudoeste da França na homônima região de Bordeaux. Esta região, que tem uma influência marítima direta do Oceano Atlântico, e também do rio Gironde, que divide a região vinícola em duas margens distintas – as famosas margens esquerda e a direita do rio - cada uma com características únicas que moldam o caráter dos vinhos de cada sub-região – de maneira bem genérica a margem esquerda é mais pedregosa e arenosa, enquanto a margem direita predomina um solo argiloso e calcário.
Mas os vinhedos de Bordeaux têm uma história rica e muito antiga, que remontam o período do Império Romano, quando as primeiras vinhas foram plantadas na região. No entanto, foi durante a Idade Média que a viticultura em Bordeaux realmente floresceu, com monges e senhores feudais que ampliaram as áreas de cultivo de uvas para produção de vinho.
A localização estratégica de Bordeaux, às margens da foz do rio Gironde, contribuiu significativamente para o desenvolvimento da viticultura. Primeiro pelas características climáticas. E segundo, do ponto de vista comercial, pois Bordeaux sempre foi uma cidade portuária importante na comercialização e exportação de produtos franceses.
Foi no século XVII que a reputação dos vinhos de Bordeaux cresceu internacionalmente quando navios partiam com os barris de Bordeaux à Inglaterra. E foi o próspero comércio que ajudou a estabelecer a reputação dos vinhos de Bordeaux como alguns dos melhores do mundo. Inclusive os períodos de embargos Ingleses aos vinhos franceses nos séculos XVII e XVIII obrigaram os franceses a buscar outros mercados para dar vazão a sua produção local tornando-os conhecidos mundialmente.
Já a classificação Grand Cru teve sua origem em 1855 a pedido de Napoleão III que a encomendou para a Exposição Universal de Paris1, essa classificação deveria destacar os melhores vinhos da região.
A tarefa de classificar os vinhos coube à Câmara de Comércio de Bordeaux que em um comitê composto por comerciantes e a elite vinícola de Bordeaux decidiu classificar os vinhos com base no preço de mercado dos vinhos. Portanto os vinhos mais caros foram eleitos os “melhores vinhos de Bordeaux” e desde 1885 ostentam o título de Grand Cru Classè.
Esta é a primeira controvérsia da histórica classificação dos vinhos de Bordeaux, pois essa classificação, pois ela não considerou a qualidade dos vinhos. Além do mais, permanece praticamente intacta. Até hoje muitos produtores mudaram, novos Châteaux surgiram e muito produtor de qualidade excepcional ficou de fora da lista onde apenas 4 Châteaux ostentam a posição do top da pirâmide: Château Lafite Rothschild (Pauillac), Château Latour (Pauillac), Château Margaux (Margaux), Château Haut-Brion (Pessac-Léognan).
Apenas em 1973 o Château Mouton Rothschild (Pauillac) foi incluído no “G5 dos Premiers Grand Crus Classés” de Bordeuax em umas das poucas alterações da lista. E esta é a segunda controvérsia da classificação.
Não se sabe ao certo o motivo, mas dizem que em 1855 os Rothschild, proprietários do Château desde 1853, se recusaram que seu vinho fosse submetido à avaliação e, portanto, teria ficado de fora da lista. Mas seu nome de peso somado ao sucesso e reconhecimento internacional foram argumentos para sua inclusão no top da lista 122 anos depois.
Já a terceira controvérsia é que apenas os produtores da margem esquerda receberam a classificação, isto é, os produtores das prestigiadas sub-regioes de Pomerol e Saint-Émilion ficaram de fora.
Apenas 100 anos após a classificação de 1855 é que foi criada a classificação Cru Borgeois que engloba os vinhos da margem esquerda. Esta é uma classificação independente e que a cada 10 anos faz uma reclassificação, podendo os produtores serem promovidos ou rebaixados na pirâmide qualitativa.
Vale ressaltar que são classificações distintas e até hoje a classificação de 1855 é valida e segue influenciando o mercado.
Depois deste longo preambulo, na degustação obviamente não estavam lá a disposição do público os famosos Premiers Grand Cru (aquele top5), mas tinham 80 outros grandíssimos e renomados produtores.
- “Meu objetivo lá não era “beber rótulos”, mas sim ter uma oportunidade singular “caminhar” pelas sub-regiões de Bordeaux, poder comparar os estilos dos produtores, as diferenças entre os blends, e a influência que cada terroir exerce sobre os vinhos. Portanto, apresento aqui uma análise macro do ponto de vista da influência das regiões no estilo dos vinhos”.
Partindo do pressuposto que todos os vinhos são blends feitos com as uvas Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot e Petit Verdot, que mudam apenas os percentuais do blend, os “descritores aromáticos clássicos” dos vinhos de Bordeaux são em geral: Notas frutadas de amora, ameixas, creme de cassis; notas herbáceas como louro, tomilho, além das clássicas notas oriundas de passagem em madeira e da evolução do vinho como notas tostadas, chocolate e canela.
Portanto o que descrevo abaixo são as nuances de cada região:
Vinhos da Margem Esquerda de Bordeaux e os rótulos mais representativos conforme minha avaliação:
Sub-regiões do Médoc e Haut-Médoc eram vinhos com taninos mais ásperos quase que destoando da estrutura do vinho. Claro temos que considerar que é um vinho de apenas 3 anos.
Vinho mais representativo:
Produtor: Château Belgrave | Região Haut-Médoc | Blend: 65% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot e 5% Petit Verdot.
Sub-região Pauillac: Em geral os vinhos se apresentaram mais equilibrados, taninos firmes e totalmente integrados ao corpo do vinho, mas de fato se demonstraram vinhos muito potentes com ótima persistência em boca.
Vinho mais representativo:
Produtor: Château Batailley | Região Pauillac | Blend: 76% Cabernet Sauvignon, 20% Merlot, 2% Cabernet Franc e 2% Petit Verdot.
Sub-região Margaux: Idem Pauillac porém com uma salinidade (mineralidade) importante no vinho. Isso pude sentir em praticamente todos os vinhos desta zona e foi realmente muito particular.
Vinho mais representativo:
Produtor: Château du Tertre | Região Margaux | Blend: 64% Cabernet Sauvignon, 20% Cabernet Franc, 10% Merlot e 6% Petit Verdot.
Sub-região Saint Julien: Vinhos com proeminentes notas herbáceas tais quais já descritas - louro e tomilho.
Vinho mais representativo:
Produtor: Château Saint-Pierre | Região Saint-Julien | Blend: 70% Cabernet Sauvignon, 14% Merlot, 9% Cabernet Franc e 7% Petit Verdot.
Vinhos da Margem Direita de Bordeaux e os rótulos mais representativos conforme minha avaliação:
Sub-região Pomerol: Frutas de bosque maduras com taninos muito aveludados, realmente vinhos muito elegantes. Aliás, acho que esse foi o único 100% Merlot que estava a disposição.
Vinho mais representativo:
Produtor: Château Gazin | Região Pomerol | 100% Merlot
Sub-região Saint-Émilion: Notas mais florais como viola mammola, também aromas boasé e taninos muito elegantes assim como Pomerol.
Vinho mais representativo:
Produtor: Château Cap de Mourlin | Região Saint-Émilion | Blend: 82% Merlot, 16% Cabernet France e 2% Cabernet Sauvignon.
-“De maneira geral, espero que os meus apontamentos os tenha auxiliado a entender o que são os vinhos de Bordeaux e as nuances que podemos encontrar em cada região. Pois, meu objetivo é sempre facilitar o entendimento e, por consequência, as escolhas dos vinhos”.
Obrigado e até a próxima newsletter!
Exposição Universal de Paris de 1855 foi uma feira mundial realizada de maio a novembro daquele ano na capital francesa. O evento foi organizado para celebrar as realizações da indústria e cultura francesas, bem como para promover o comércio internacional.
A curiosidade só aumenta! Agora quero conhecer a regiao de Bordeaux e tomar um 100% Merlot ☺️