Vinhos que os sommeliers não gostam de indicar: Por quê? Eles são realmente ruins?
Quantas vezes fomos ao restaurante e após minutos de indecisão diante da carta de vinhos o sommelier chega e apresenta uma proposta diversa da nossa e nos convence a mudar de ideia. Vamos entender?
Ser sommelier é uma tarefa complicada: equilibrar o gosto do cliente, metas comerciais e o próprio repertório pessoal é um desafio diário. Não surpreende, portanto, que alguns vinhos acabem marginalizados pela conjunção destes fatores, ou ainda por preconceitos ou modismos do mercado.
Seja pela associação a massificação, pelo perfil considerado "pouco sofisticado", alguns rótulos acabam esquecidos nas cartas de restaurantes. Mas será que esses vinhos são realmente ruins — ou apenas vítimas de estereótipos? Hoje a minha propósta é apresentar 4 vinhos de regiões distintas e que são exemplares polêmicos.
1. Prosecco (Itália)
Região de produção: Veneto (sendo Conegliano-Valdobbiadene, Patrimônio Mundial da UNESCO desde 2019, a principal subregião e DOCG (Denominazione d’Origine Controllata e Garantita) e Friuli-Venezia Giulia, Itália.
Por que é criticado?
Considerado um espumante "simplista" devido ao método Charmat / Martinotti (segunda fermentação em tanques pressurizados, diferente do método Champenoise, feito diretamente na garrafa), o Prosecco tem bolhas maiores, açúcar residual mais alto e aromas simples e frescos. É um vinho jovem, leve e casual, frequentemente associado ao famoso coquetel Spritz Aperol ou Spritz Campari.
Por isso, apesar da popularidade mundial, costuma ser preterido em cartas mais refinadas. Contudo, é símbolo da cultura italiana de aperitivo e resultado de uma viticultura heroica numa das regiões mais belas do país (abaixo deixo o link do texto completo sobre a história do Prosecco, principais produtores, dicas de harmonização e enoturismo).
Prosecco, o vinho italiano mais consumido no mundo
O Prosecco é um dos vinhos mais renomados da Itália, é também um dos vinhos mais consumidos no mundo. Originário de uma região que combina tradição e paixão pela reconhecida viticultura heroica. Este vinho espumante reflete a rica herança cultural e histórica das colinas de Conegliano e Valdobbiadene, que atrai milhares de turistas durante todo o ano à …
Indicação de Prosecco: Bortolomiol
Cantina localizada no coração de Valdobiaddene, o principal zona de produção do Prosecco. É uma das cantinas mais antigas e tradicionais da região. Produz, dentro do que é o Prosecco, uma gama de vinhos interessantes e com ótimo custo benefício especialmente para iniciarmos um “aperitivo veloce”.
2. White Zinfandel (Estados Unidos)
Região de produção: Califórnia, EUA.
Por que é criticado?
Rotulado como "básico", este rosé doce de graduação alcoólica de 8%, de aromas “tutti frutti” é marginalizado por simbolizar o paladar médio norte-americano. Muitos o veêm como um vinho inexpressivo. É talvez o vinho mais barato encontrado no mercado e é considerado o “vinho de quem não bebe vinho”.
Como surgiu este rosé amaldiçoado?
O White Zinfandel surgiu por acidente nos anos 70, quando a fermentação de um Zinfandel tinto foi interrompida, criando um rosé residualmente doce. Alguém se lembra de um outro erro de vinificação que gerou a descoberta de um outro vinho? …Eu sei um e já escrevi sobre ele aqui no blog.
Mas ironicamente, este vinho encontrado quase que somente nas prateleiras mais baixa dos supermercados foi responsável direto pela sustentação e crescimento da viticultura nos Estados Unidos, pois o vinho abriu - e ainda abre - portas para que o mercado alcançasse um público que até então não apreciava vinhos, e principalmente possibilitou aos produtores californianos que fizessem fluxo de caixa para manutenção e desenvolvimento da viticultura, que atualmente é reconhecida internacionalmente por ter vinhos de alta qualidade. Em outras palavras, continuar o cultivo e produção do Zinfandel Rosé é sim uma estratégia bem sucedida de mercado vitivinícola americano.
Curiosidade: A uva Zinfandel é geneticamente idêntica a uva Primitivo originária da Puglia, sul da Itália.
Dica de harmonização
Sirva bem gelado, “temperatura de espumante” entre 6-8C e harmonize com pratos leves pouco condimentados, como por exemplo um belo prato de camarões cozidos no vapor.
3. Primitivo (Itália)
Já que mencionei o parentesco entre a Zinfandel e a Primitivo, eis o vinho italiano Primitivo também na “black list” dos Sommeliers.
Região de produção: Puglia, Itália (principais denominações Primitivo di Manduria DOCG e Primitivo di Salento DOCG).
Por que é criticado?
Alguns produtores mais tradicionais, ou em outras palavras, da velha escola, elaboravam seus vinhos com um teor alcoólico que frequentemente alcançava os 16%, apresentando sabores opulentos de frutas muito maduras. Isso tornou o Primitivo conhecido como um vinho tinto encorpado, porém com pouca estrutura e complexidade em relação ao seu elevado teor alcoólico. Por consequência, alguns sommeliers passaram a evitá-lo justamente pela falta de elegância.
Mas a modernidade está reinventando-o:
Produtores como Gianfranco Fino e Cantine Polvanera trabalham o Primitivo num estilo mais internacional. Eles têm produzido vinhos com menor teor alcoólico, como é o caso do Sé (Salento Primitivo IGT), de Gianfranco Fino, que tem 14,5%. Além disso, adotam técnicas modernas tanto no cultivo quanto na vinificação, resultando em vinhos de taninos mais arredondados, com notas de ameixa e nuances tostadas adquiridas da barrica.
Já a Cantine Polvanera é um produtor jovem, porém relevante na Puglia. Fundada em 2003, trabalha exclusivamente com viticultura biológica. Uma curiosidade interessante é que o nome "Polvanera" deriva da coloração escura do solo onde os vinhedos estão plantados, significando literalmente "poeira escura". Sua linha de entrada leva o nome Polvanera, numerada do 14 ao 17, indicando diretamente a graduação alcoólica dos vinhos. Estes são provenientes de vinhas com mais de 60 anos, garantindo uma excelente relação qualidade-preço. Um ótimo exemplo é o Polvanera 15, encontrado facilmente online por cerca de €14 e que recomendo como um representante autêntico da região.
4. Carmenere: A estrela chilena
Região de produção: Chile, principalmente Vale de Colchagua e Vale de Maule.
Por que a Carmenère é criticada?
Simplesmente pelas notas vegetais fragrantes, como, por exemplo, de pimentão verde. Além da peculiaridade aromática, também a inconsistência histórica, principalmente de décadas passadas renderam má fama ao vinho chileno. Para se ter ideia, a variedade foi “redescoberta” no Chile em 1994, pois até então era confundida nos vinhedos com a Merlot.
Mas o Chile a transformou em joia:
Vinificada com uvas colhidas em estágio quase tardio para minimizar as notas herbáceas, a Carmenère vem mudando seu status no mercado graças aos investimentos e a modernização da viticultura chilena. Aos poucos, a variedade ganha relevância internacional, impulsionada pela boa aceitação e competitividade geral dos vinhos chilenos. O Brasil, especialmente, destaca-se como um mercado importante, beneficiando-se da proximidade geográfica e dos acordos de livre comércio entre os países.
Um perfeito exemplar de Carmenère é o Viña Errazuriz também encontrado online por 13€, vinho o qual já tinha indicado aqui no blog:
Os Vinhos Chilenos: Principais Uvas, Regiões e Produtores
Os vinhos chilenos têm se destacado no mercado pela sua qualidade, diversidade e capacidade de inovação. Beneficiando-se de um clima mediterrâneo, o Chile possui um terroir único, uma estreita faixa de terra de relevo acidentado, atravessada por inúmeros vales que conectam a Cordilheira dos Andes a leste e ao Oceano Pacífico a oeste. Estas característic…
Por fim, degustar um vinho é também sobre compartilhar momentos e boas histórias. Nem sempre nossa vida é feita de vinhos caros, complexos e estruturados; na verdade, cada enófilo tem suas preferências para o dia a dia. Eu mesmo gosto de variar bastante minhas escolhas cotidianas.
Esses quatro "rejeitados" mostram que a verdadeira excelência pode estar nos detalhes – uma safra bem escolhida, um produtor inovador ou uma harmonização surpreendente. E você, já provou algum vinho que desafiasse suas expectativas? Ou ainda já deu uma segunda chance à algum rótulo?
Conte suas histórias nos comentários e compartilhe com aquele(a) amigo(a) que só bebe "vinhos cult". Afinal, o melhor vinho não é o mais caro nem o mais raro, mas aquele que nos faz desfrutar dos bons momentos.
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Até a próxima edição!
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Excelente tema! Taí uma coisa que eu nunca parei pra pensar...